“Interpretar o texto é dar corpo às palavras e entregá-las às pessoas.” - Sara Martins lança o seu segundo tema spoken word em streaming

Sara Martins, designer, autora e performer, lança “O Choro de Criança” no dia 30 de outubro. O tema estará disponível em todas as plataformas digitais e traz consigo um vizualizer impactante.

Foi a 23 de Fevereiro que Sara Martins nos apresentou pela primeira vez a sua poesia spoken word num formato adaptado a streaming. O tema “Na Dança do Malmequer”, que nasceu na sequência de 4 anos de performance de poemas musicados.

Sara, estreou-se no campo do espetáculo poético em 2020 com “No Avesso das Palavras”, contracenando com o também poeta Tiago Marcos e contando com o apoio sonoro do músico Alfaro. Em 2021, já a solo, levou a cena “O Esculpir da Sombra” e em 2023 integrou o elenco da performance poética “Roer do Silêncio” onde partilha até hoje palco com Cláudia Tomé Silva, Ana Simon e Lady N.

Tendo sido anunciado em fevereiro deste ano, “O Choro de Criança” é mais um passo na direção do lançamento de “O Esculpir da Sombra”, um disco vinil de poesia spoken word musicada.

Em conversa, a autora falou-nos um pouco mais sobre o novo tema.

O Choro de Criança é o segundo tema que lanças de spoken word nas plataformas digitais. Porquê apresentares a tua poesia num formato que normalmente não é tão comum para este tipo de textos?

Para quem escreve poesia e a partilha, o objetivo principal (para além da catarse que não é bem um objetivo mas sim uma necessidade) é chegar ao outro. Digo no singular porque não é a quantidade que importa mas, a comunhão de sentimentos e esta pode acontecer entre apenas duas pessoas (quem escreve e quem lê). 

A leitura, nos dias de hoje, é cada vez mais esquecida e desprezada, fruto da quantidade de estímulos que temos a chegarem-nos por parte da multimédia, então, apenas com textos escritos é difícil chegarmos aos outros e, muito menos, a um público mais jovem que gostaria de um dia conquistar com o trabalho que vou desenvolvendo. 

Somando as palavras ao som, é possível “pintar” uma paisagem muito mais completa, estimular um maior número de sentidos e utilizarmos a voz para comunicar de uma forma muito mais direta, como se nos falasse diretamente. E faço, também, porque adoro fazê-lo. Interpretar o texto é dar corpo às palavras e entregá-las às pessoas.

Em que é que “O Choro de Criança”, difere da “Dança do Malmequer”?

O Choro é um texto sombrio e introspectivo que aborda temas dentro da psicologia como a criança interior e a insónia proveniente de inquietações e distúrbios mentais. O cenário é todo ele pintado em tons de cinza, preenchido com imagens inquietantes que nos fazem questionar o seu sentido e mergulhar na cabeça de alguém que sofre com este tipo de perturbações.

Já a “Dança do Malmequer” surge a partir de uma observação. As imagens, desta vez bem coloridas, retratam um jogo de criança, onde se arrancam as pétalas aos malmequeres, à procura de respostas e, assim que as obtemos, arremessamos a flor, morta, que apenas serviu para satisfazer a nossa curiosidade. Esta observação surge também como uma crítica à forma como agimos perante determinadas situações.

O lançamento de “O Choro de Criança”, virá acompanhado de um visualizer. Como foi dar uma vida visual às tuas palavras?

Ambos os vídeos (“A Dança do Malmequer” e “O Choro de Criança”) surgiram de forma muito espontânea.

O primeiro nasceu da vontade da Rebeca Fernandes (amiga e fotógrafa) querer “ilustrar” o poema quando lhe mostrei. Era final de Primavera e ainda haviam alguns malmequeres, então, corremos para o campo à procura de um cenário onde eu pudesse interpretar o poema e onde pudéssemos captar algumas imagens.

Ganhei o gosto e um dia, o Luís (músico que cria os ambientes sonoros para os meus poemas) foi dar um passeio pela terra de um amigo e enviou-me fotografias de uma casa abandonada. Imediatamente correu o filme todo na minha cabeça e combinámos de lá ir filmar as imagens para o “Choro”. Ou seja, até agora, não foi como se eu fosse à procura das imagens para dar essa vida visual às palavras mas sim, essas imagens vieram ter comigo e tudo fez sentido.

Este tema fará parte do vinil Esculpir da Sombra. Como descreverias este trabalho comparativamente ao que ele já é enquanto performance?

O vinil será parte da minha performance, empacotada, pronta a levar para casa e ser consumida as vezes que se quiser, sem prazo de validade. A experiência pode ser sentida de “um para um”, no conforto das nossas casas, onde muitas vezes esperamos por “esse choro” e em que isolados do mundo, podemos desabar. A performance é como se fosse uma conversa e o vinil uma carta.

Sentes que a tua poesia mudou muito desde o lançamento do “No Avesso das Horas?”

Sim, muito! Os textos que compõem o livro nasceram numa fase muito embrionária da minha escrita. Uma fase em que escrevia para entender o mundo, para me entender a mim mesma e enquanto catarse de todos os sentimentos e emoções que não conseguia processar. Não pensava muito sobre o que escrevia, o que tornava a minha escrita um tanto abstrata e surrealista. Continuo a não gostar de filtrar muito os textos, para não os tornar mecânicos mas, penso mais sobre a forma como quem os lê deve conseguir interpretar aquilo que escrevo, sendo mais clara no tema e focando em chegar ao outro, despertando emoções e sintonia.

A escrita irá sempre ser diferente porque não somos os mesmos com o passar da vida.

Como preves o teu futuro na poesia?

Eu espero estar cada vez mais imersa na poesia, criando mais, fazendo mais espetáculos e encontrando mais formas de levar a poesia até às pessoas, sobretudo, de uma forma não tão tradicional. Espero também continuar rodeada de autores e criativos que também contribuem para essa minha vontade.

Quero chegar a mais sítios e voltar onde já fui feliz, como é o exemplo da Fortaleza de Sagres, onde vou estar no dia 9 de novembro. O auditório da Fortaleza foi a rampa de lançamento para as minhas performances, foi onde pisei um palco pela primeira vez e, desde aí, nunca mais parei.

Sara Martins estará com o seu “Esculpir da Sombra” no próximo dia 09 de novembro, sábado, pelas 16h, no Promontório da Fortaleza de Sagres, integrando a agenda do programa cultural Patrimónios de Liberdade.

O “Choro de Criança” já está disponível nas plataformas digitais.


Anterior
Anterior

Maria Bispo eternizou memórias pelo paladar das palavras

Próximo
Próximo

Nelson Dias espera provocar a comunidade para a construção de territórios mais resilientes no seu novo livro “Cuidadores do Território”.