Concerto eletrizante de Riding a Meteor no seu regresso à República 14.

Estávamos no final de outubro de 2019 quando a comitiva de Riding a Meteor (RAM) rumou a Olhão para o seu primeiro concerto na República 14. Poucos dias antes tinham deixado a sua marca em Sagres num concerto onde pretendiam testar o espetáculo num ambiente inóspito como muitas vezes se faz sentir no ponto mais a ocidente do velho continente. O vento, que não compareceu nesse dia 12 de outubro no Promontório de Sagres, acabou por criar uma atmosférica única que, ainda hoje, vigora na memória de quem por lá passou. O conforto dessa noite condisse com a forma como este espaço recebeu o espetáculo no seu principal salão: acolhedor, íntimo e sereno. Naquela altura, RAM sabiam que estavam a fechar a terceira digressão nacional antes de partirem para terras britânicas, mas mal podiam antecipar que esse seria o seu último concerto em Portugal antes do momento que mais impactou o mundo e que ficará para a história deste século. Subiram para esse concerto concerto com respeito pelo espaço. As paredes seculares e o chão de madeira pediam um concerto mais doce e controlado e foi isso que procuram entregar. Quase cinco anos depois, voltaram a esta casa para um concerto no pátio exterior e sabiam que, desta vez, o céu estralado de um fim de dia a cheirar a verão pedia rédea solta e uma garra a fazer lembrar os seus primeiros passos.

Pouco mais de quinze minutos depois da hora marcada e feito o compassos de espera para o que a luminosidade do dia revelasse a grande tela projetada na traseira do palco, arrancou o espetáculo. Começámos com “Slow Twinkling Vortex” tema que durante três digressões abriu os concerto de Riding a Meteor mas que já não se ouvia ao vivo desde 2021. A viagem acabava de começar com um coro de vozes sintetizada a levar-nos numa viagem pelo cosmos que culmina em suspenso para dar lugar ao já expectável “Unknowable”. É aqui que grande parte daqueles que estavam a ouvir RAM pela primeira vez se aperceberam do que se poderia vir a tratar esta noite. “Unknowable” começa de forma leve convidando-nos a entrar num “loop” constante com uma gradação de intensidade bastante subtil. Os ambientes guitarrísticos de Ivo Ferreira revelam cada vez mais argumentos e a respondem a uma voz grave e firme que descreve o estado de espírito do Meteoro personificado que dá vida ao argumento. Aos poucos, Ruben Azevedo marca posição e conduz a comitiva até ao surgimento dos primeiros arpejadores. O “loop” continua, nauseando emocionalmente os ouvintes e fazendo-nos sentir sugados pelo palco onde a energia cresce. É um tema longo que nos hipnotiza e nos mantém reféns até que nos solta num suspense e nos atinge com uma muralha de som: “Estamos em queda!” De forma brusca e inesperada, damos por nós num turbilhão de emoções com melodias “pink floidianas” que nos cortam a respiração. A leveza com que começámos esta viagem contrasta agora com uma carga sonora que nos obriga a ajustar o corpo na cadeira e a evitar o relaxamento, como se o avião em que levemente adormecíamos tivesse entrado na maior das turbulências. E assim, sem aviso, tudo volta ao normal. A luz baixa e damos por nós com alguns segundos de alívio até novo impacto sonoro e visual. “Dissolve or Collide”, o tema que deu nome ao primeiro trabalho de RAM, fez-se ressoar por todo o pátio com uma interpretação estrondosa de Ruben Azevedo. Foi um pequeno shot, 3 minutos de adrenalina, como se tivéssemos saltado em queda livre com uma venda, que ilustra a capacidade deste grupo de transportar os ouvintes entre géneros e intensidades. Assim que termina “Dissolve or Collide” voltam a comprovar o seu sentido camaleónico com a passagem para o tema “Arivat” como se de um pára-quedas se tratasse. Estamos agora num momento de contemplação, de vislumbramento, de questionar o que foi tudo o que aconteceu até aquele instante nuns meros 15 minutos de concerto. E foi tanto em tão pouco tempo que a leveza com que este tema surge nos deixa com a pulga atrás da orelha sobre onde possa ir parar. Mas desta vez conduz-nos com tranquilidade e melodias simples. A forma como cresce é aveludada na textura e consistente na massa. Há uma condução robusta e por vezes ousada do baixo neste tema que desenvolve uma contra melodia que inesperadamente nos leva a bater o pé. “Arivat” termina com uma grande sensação de contraste com tudo o que até então tinha acontecido mas estranhamente lógico e necessário.

Por esta altura, levávamos 25 minutos de música e ainda não tínhamos ouvido António Barradinhas, vocalista da banda, que sobe a palco para interpretar “Aura”, a primeira canção da noite. Entra seguro e intenso, com uma entrega na voz que contrasta com a serenidade do corpo. Voz profunda e carregada de sentimento que aos poucos se revela num registo mais agudo que cativa, surpreende e comove. Sente-se e vê-se agora uma banda com um profeta que traz e espalha uma mensagem que tem tanto de acessível como de conceptual. Se até aqui já podiamos ter identificado referências a Pink Floyd, Genesis ou Vangelis, as opções começam agora a ficar mais vastas e até baralhadas. Há também algo de Radiohead, Echo & the Bunnymen ou até Portishead.

Chega-nos “The Conscience of Falling In” para deixar o anterior comentário mais evidente. A canção tem tanto de progressiva como de Trip-hop levando-nos facilmente a um subúrbio londrino onde se fugia do domínio do grunge em meados da década de 90. Mais uma vez uma interpretação arrebatadora de um cantor que se move muito bem quando se aproxima dos limites. E eis que nos chega mais um “plot twist”. Aconselho a que não leiam o resto do parágrafo se quiserem ter uma experiência mais completa quando se cruzarem com esta banda. De repente todo o ambiente ficou vermelho incandescente e vê-se surgir uma figura feminina no ecrã. “Syriad” transporta-nos para outra dimensão. Uma dimensão inesperada onde uma voz de registo lírico nos desconcerta as emoções. Acredito que tanto eu como todos os que me rodearam partilham desta minha opinião: Foi emocionalmente arrebatador! Hans Zimmer, estás aí? Sentí que poderia estar a ver uma cena de “Dune” ou de “Interstellar”. Orgãos imponentes, guitarras espaciais com delays que se torciam, uma bateria que soava a coração que batia com força mas a uma velocidade gasta pelo tempo. Disseram-me depois que esta canção era uma súplica e foi algo muito próximo que senti. Uma prece onde a dor e esperança se enrolaram e perderam a noção de si mesmas.

Por esta altura confesso que já tinha perdido a noção de muita coisa e por isso voltei a olhar ao relógio. 42 minutos de concerto e já me questionava se algo mais me poderia surpreender. António anuncia agora uma canção que só interpretaram 3 vezes ao vivo, um cover. Não esperava que o fizessem nesta noite mas como já tinha feito investigação antes do concerto, tinha uma ideia do que por aí poderia vir: “Silence” da banda americana de indie rock Manchester Orchestra. Mais uma canção à imagem de RAM, começo aconchegante, progressão controlada e explosão, Não é fácil mexer nesta canção mas fizeram-no de forma a não nos lembrarmos constantemente de Andy Hull e isso penso ser um excelente elogio.

“Broken Wire” foi a última canção que ouvimos nesta noite e trouxe-nos mais uma sonoridade inesperada. Canção leve e cheia de bonitos rendilhado de Ivo Ferreira que constantemente nos abriam portais de percepção. O final apoteótico fez jus à interpretação de António Barradinhas que deixou o público rendido à sua voz e carisma.

Voltamos a ter a banda inicial em palco e Luís Caracinha, que também encontramos por vezes sob a pele de Alfaro, salta das guitarras e toma o controlo dos sintetizadores. Antes de começar o tema, apresenta a banda e faz uma confissão sobre o momento que se segue. “É como se fosse um voltar às origens e à sensação que se tem dentro do útero mas com a consciência do peso da perda, da dor, da desilusão e da injustiça.” - acrescentou o músico. “Lama Daf” leva-nos de volta aos territórios de Pink floyd, Jean-Michele Jarre ou até José Cid em “10,000 Anos Depois Entre Venus E Marte”. Um tema progressivo e eletrizante que termina com um grito de raiva e que nos entrega a um final retirado do tema “Spiracle” que selou esta noite com uma sensação de dever comprido.

O público aplaude, músicos abraçam-se, as luzes baixam e agora estamos em condições de falar com quem esteve ao nosso lado durante esta viagem. Em alguns casos, apenas com o olhar, validamos que um pouco do que aqui vos partilho encheu de facto a alma dos que estiveram no dia 15 de junho, entre as 21h15 e as 22h28 no pátio da República 14 que, por uma noite se tornou numa rampa de lançamento para um universo paralelo. Até breve Riding a Meteor.


Anterior
Anterior

Damos as boas vindas a Jean-Christian

Próximo
Próximo

Marc Noah lança novo single