Goldcobra em entrevista

"se estiver sempre no mesmo registo ou a criar da mesma forma, o trabalho não cresce"

“Juno” é o mais recente tema de Goldcobra, projeto a solo de Marcos Alfares, e sai a público hoje, dia 14 de fevereiro, nas plataformas digitais. Apesar de manter a sonoridade inspirada nos 80's, "Juno" marca a estreia de Goldcobra na composição em português.

Sobre o percurso de Goldcobra, com particular foco no novo tema, a Make It Happen conversou com o músico.

Como é que começou Goldcobra? Porquê este para nome do projeto a solo?

A ideia de criar algo a solo surgiu em meados de 2016. Depois da minha antiga banda de rock, a Killing.Electronica, sedeada no Algarve, senti a necessidade de fazer algo distinto. Na tentativa de experimentar coisas diferentes, foi surgindo esta temática dos anos 80, da onda retro e dos sintetizadores. Nesse ano, houve uma noite em que mostrei algumas ideias a um amigo, o Diogo Piçarra. Ele ouviu, e nessa noite começámos a trabalhar nalgo que viria a ser o primeiro single – “Heartbreak Hotel [Forever Yours]”. A partir daí, achei que seria interessante avançar definitiva e oficialmente com Goldcobra.

O nome “Goldcobra” surgiu do acaso. O que eu pretendia com o nome do projeto a solo era criar algo com que eu me identificasse, mas que desse também para trabalhar em termos visuais. “Goldcobra” surgiu de um conjunto de vários esquissos e tornou-se naquilo que é hoje.
Apesar de o projeto ser a solo, trabalho com mais pessoas: nos concertos ao vivo, tenho sempre pessoas comigo, em palco, nomeadamente Luís Caracinha e Ricardo Rosa , que se manteve comigo até ao ano passado, na guitarra e teclas. Já tive também vários saxofonistas. Ou seja: há sempre várias pessoas a rodar, o que dá ao projeto uma dinâmica interessante. Depende muito não só da disponibilidade de cada músico, como do tipo de concerto que vou dar e dos instrumentos que fazem sentido - daqueles que se adaptam melhor a cada sala.

Há em Goldocobra uma forte presença dos anos 80, nomeadamente de synthpop, e essa estética musical parece-me conjugar com o visual - a cenografia, o look, também algo psicadélicos. É importante para ti essa relação ou, diria, afirmação estética entre a música e a “imagem”?

Sem dúvida. Com um conjunto de inspirações, fui entrando na sonoridade dos anos 80. Independentemente disso, sempre senti a necessidade de, ao lado da música, ter uma componente visual bem presente e definida. Falo em tom pessoal: gosto de ouvir uma música e transportar-me com ela. É por isso que dou muita importância ao vídeo que acompanha cada música. Aliás, há artistas com quem tenho uma grande afinidade por causa disso.

A sonoridade de Goldcobra evoca um quê de A-ha ou, pensando em nomes mais recentes, Kanvinski, por exemplo. Consegues situar o início desse gosto pelo synthpop?

Há hoje uma sonoridade que vai beber muito aos anos 80, e depois tens os verdadeiros anos 80. Penso que goldcobra seja um conjunto de ambos. Eu nasci nos anos 80 e cresci a ouvir algum pop, mas principalmente rock. Aquilo que eu comecei a apreciar em termos de música já foi no final dos anos 90 / início dos anos 2000. Em criança, ouvia muita música com os meus pais, tanto na rádio como em casa, ou nas viagens que fazíamos, sobretudo dos anos 80, e isso influenciou-me muito a entrar neste caminho do synthpop. A-ha podia ser uma boa escolha, mas a verdade é que nunca ouvi muito. Posso dar o exemplo de Duran Duran, muito presente também naquilo que os meus pais ouviam.

A componente do synthwave está muito presente. Filmes como Drive vieram também abrir este espetro de novos artistas, e a cena retro e synthwave também partiu muito daí. Não posso mentir: tudo isso inspirou-me muito a encontrar e a definir este caminho de goldcobra.
Antes de definir o nome do projeto, estava a viver fora do país e bastante afastado do que se fazia por Portugal. Quando voltei, comecei a trabalhar em goldcobra e a tomar mais atenção àquilo que se estava a fazer por cá. Nessa altura, deparei-me com Best Youth que, tenho-me vindo a aperceber, também vêm criando uma estética assim mais 80’s.

Apresentaste-te oficialmente com o tema “Heartbreak Hotel [Forever Yours]”. Seguiu-se uma digressão pelo país em 2019, ano em que saiu o EP de estreia "Paris, Los Angeles”. Em 2020 foi a vez do segundo EP de originais, o “Late Night Nostalgia”. Como é que descreves a evolução da discografia de goldcobra? Há alguma coisa de particular que distinga os dois EP?

Sinto que há alterações, nem que seja pelo facto de ter trabalhado com produtores diferentes. A maior parte dos temas do EP “Paris, Los Angeles” foi composta com o Diogo Piçarra. Por isso, têm um toque pessoal do Diogo, uma estética específica. Já este último EP, o "Late Night Nostalgia", tem uma abordagem mais sombria. O interessante é que mantém-se o registo synthwave, mas cada produtor dá o seu toque pessoal, o que significa que a sonoridade vai diferir.

O importante é que a sonoridade está um pouco mais madura. Eu preciso de pensar dessa forma e de ir nesse caminho. Porque se estiver sempre no mesmo registo ou a criar da mesma forma, parece que o trabalho não cresce.

A nível de parcerias e de produtoras, com quem tens trabalhado?

Como disse há pouco, o primeiro trabalho de Goldcobra nasceu com o Diogo Piçarra. Tanto no primeiro EP como no segundo, trabalhei com Francisco Aragão e Ricardo Rosa (que compôs o tema No Ordinary Love, considerada uma das melhores canções nacionais de 2020). Tenho trabalhado com estas pessoas que já conheço bem e admiro, o que faz com que as coisas fluam mais naturalmente.

Como é que tem sido a relação com o público? Há algum lugar no país onde sintas que goldcobra ressoe mais?

Diria que o Norte do país, toda a zona de Porto e de Braga, com os Killing. Eletronica, dávamos muitos concertos no Algarve, no Alentejo, na Zona da Grande Lisboa, e alguns no Norte. Mas, o que me apercebi com Goldcobra foi que a receptividade à música eletrónica é maior no Norte.

É claro que, com o passar dos anos, as atitudes e a forma de receber e estar diante da música mudam, os gostos também. Mas, no Norte senti com Goldcobra aquilo que não senti com nenhum outro estilo musical. Aliás, se pensarmos bem, há muita coisa eletrónica a vir dessa região. Tenho um gosto enorme em lá ir, pela atitude das pessoas; pela forma como recebem Goldcobra.

Dos vários espaços em que atuaste, há algum que tenha tido um maior impacto?

Estou a lembrar-me de um concerto que dei no Tokyo, em Lisboa. Com goldcobra já lá toquei duas vezes, mas o primeiro concerto foi especial - não só por ter sido o primeiro, mas por ver a casa composta e com uma energia incrível. Tirando isso, o primeiro concerto no Barhaus, em Braga, também foi especial. 2019 foi um ano preenchido de concertos, porque fiz duas digressões pelo país, o que permitiu avaliar as cidades em que goldcobra mexe mais, e cada concerto foi especial por isso. Já 2020 e 2021 foram anos muito pobres em termos de concertos, pelas razões que todos conhecemos.

Como é que se dá o processo criativo de goldcobra? O que tende a surgir primeiro, as letras ou as partes instrumentais?

Acontece tudo de forma muito natural e como um turbilhão, na verdade. Posso estar a compor ou a trabalhar num beat, e a letra vir a seguir; com o surgimento dos smartphones, a coisa tornou-se muito mais prática: rapidamente gravo algumas ideias vocais, que ficam guardadas no telemóvel até que mais tarde vou buscar para trabalhá-las por cima de algumas composições que tenha ou que algum produtor amigo me possa apresentar. Depende muito do feeling do momento. Há realmente muitas coisas escritas, e outras gravadas, às quais eu mais tarde regresso para compor.


“JUNO”, o mais recente tema de goldcobra, marca a estreia do lírico em português. O que motivou essa viragem?

Sentia há largos anos a necessidade de compor e editar algo integralmente em português. Calhou acontecer com esta canção: "Juno" surgiu em 2019, numa altura em que estava a trabalhar um beat. Estava a trabalhar sobre uma melodia, e a letra veio a seguir. Nem foi algo pensado, do género “agora vou começar a escrever em português”. Surgiu, por acaso. Aquele beat estava a direcionar-me naquele caminho. Então, comecei a escrever algumas frases em português. Só depois em 2020 avancei um pouco na canção, que finalizei em 2021, estando disponível agora, em 2022.



De que fala "Juno"?

"Juno" incide no amor, mas de forma aberta e sujeita a várias interpretações. Em "Paris Los Angeles", fui buscar a história de amor entre as cidades; em "Late Night Nostalgia", a temática foi a imagética nipónica; neste caso, não quer dizer que o próximo EP seja todo em torno desse tema, mas, pelo menos em "Juno", fui beber à mitologia romana, na qual "Juno" é a Rainha dos Deuses e representa a união e a proteção às mulheres. Sei que sou só um mero homem mortal a falar sobre a Mulher, mas a ideia trazer o poder da Mulher.



Imaginas-te a continuar a escrever e a compor em português?

Escrever em inglês vai manter-se, isso é certo. Em relação ao português, é bem provável que sim, também. Com esta primeira abordagem em "Juno," senti a necessidade de escrever mais na minha língua materna, de me exprimir na minha própria língua.
É quase contraditório, porque nem é a minha língua, mas... tantos anos a escrever em inglês fizeram-me criar uma zona de conforto. Em inglês, vais buscar outras palavras, o que também é perigoso, porque, não sendo nós ingleses, parece que qualquer coisa em inglês soa bem. Em português tens de ser muito mais cuidadosa, há uma maior responsabilidade. Lá está: em português, o facto de ser uma língua direta, aos ouvidos de quem é português, coloca-te num outro campo; numa posição mais frágil, vulnerável, o que é interessante.


Planos para o futuro? Há algum sítio onde queiras levar a tua música que ainda não tenhas levado?

Gostaria que 2022 fosse o melhor ano, pelo menos em termos de concertos e de apresentações ao vivo. Apesar de ter sido um ano terrível para todos nós, 2020 foi um ano muito positivo, porque houve um buzz incrível em relação a "No Ordinary Love". No entanto, foi um feedback muito virtual; não estás a falar com as pessoas frente a frente, nem as vês reagir. Não há feedback direto. A internet ajuda, mas é sempre muito mais interessante falares pessoalmente.

Era importantíssimo que 2022 nos desse mais liberdade e a possibilidade de tocar ao vivo; que pudéssemos apresentar tanto trabalhos precedentes como este, novo. Tenho sempre um prazer especial em tocar na zona de Lisboa ou no Norte, mas, desde que dê para dar um concerto, o lugar é quase indiferente.

Anterior
Anterior

“Faro 2027” apresenta reflexões críticas sobre o ser Capital Europeia da Cultura

Próximo
Próximo

Plasticine, Yuca e The Mirandas vão estar no "Choque Frontal ao Vivo" da rádio Alvor F