“A cultura é a arma do povo”, uma conversa sobre o novo álbum dos Adiafa.
Numa conversa com o músico José Emídio, membro de Adiafa, vamos ao encontro da narrativa cativante sobre a jornada musical do grupo, onde desvenda as inspirações por detrás do álbum mais recente.
No coração do Alentejo, nasceu Adiafa, singular e descrito pela união da tradição e modernidade, dando assim origem a uma harmonia inigualável. Fundado em 1998, o grupo conquistou os portugueses e excedeu fronteiras, tornando-se um símbolo da música popular portuguesa.
As suas diversas obras são um testemunho vivo da tradição musical portuguesa, repleta de influências contemporâneas como o jazz e o fado, sendo estas as inspirações para a criação de trabalhos peculiares e inovadores. Com uma formação que harmoniza vocalistas e instrumentistas talentosos, Adiafa dá origem a uma sinfonia de sons que encanta os ouvidos e os corações daqueles que ouvem.
Ao longo dos anos, o grupo divulgou uma série de álbuns que traduzem a sua fusão única da música tradicional e contemporânea, dando asas para a sua participação em festivais de músicas tradicionais de norte a sul do país e além-fronteiras.
Enquanto continuam a encantar os ouvidos pelo mundo fora, Adiafa perdura firme no seu compromisso de manter viva a tradição musical portuguesa e como prova disso, surge o seu novo álbum “Fui criado com coisas roubadas”.
“Fui criado com coisas roubadas” é o álbum que vai ser apresentado no próximo dia 10 de março, com o intuito de dar a conhecer o antigamente, a partir da narrativa do grupo.
Falamos no presente, mas tendo em contemplação o passado recheado do grupo, conversámos com José Emídio, um dos fundadores que acompanhou os Adiafa pelo mundo. O single de lançamento “Fui criado com coisas roubadas” conta com as vozes de José Emídio, Bernardo Emídio e Rúben Lameira, e vai ao encontro das memórias de tempos antigos onde a pobreza alcançava grande parte da população portuguesa.
25 anos de histórias, 8 discos e milhares de concertos em Portugal em 4 continentes. Boa tarde Zé Emídio, começaria por perguntar quem são os Adiafa de hoje?
José Emídio: Os Adiafa de hoje são um conjunto de pessoas de várias idades que abrangem duas gerações, incluindo até mesmo seis familiares. Um grupo renovado, em termos de qualidade vocal, o grupo foi evoluindo ao longo destes 25 anos, em prol do cante alentejano. Nós fomos evoluindo ao longo do tempo utilizando as técnicas modernas e achámos que era sempre uma mais-valia para a nossa cultura. Os Adiafa sempre tiveram a intenção de apresentar coisas novas, mas tendo sempre como base o cante alentejano, a sua raiz, a tradição. Acima de tudo, a emoção é o nosso lema.
O que mais o move e inspira na música popular portuguesa?
José Emídio: O que mais me move é precisamente o cante alentejano. Enquanto fascinado pela nossa cultura, a nossa tradição, faz com que, eu enquanto músico, seja apaixonado pelas nossas raízes e isso comove-me.
Como vai ao encontro das histórias por detrás das músicas? No que se baseia?
José Emídio: Muitas das vezes, baseio-me em factos reais. Já estou cá há alguns anos, fui vivendo e aprendendo. E a partir daí, consigo ir ao encontro de coisas tão simples, mas com tanta graça, que faz com que haja interesse do público e é precisamente por aí que nós avançamos. Tem que haver sempre essa vontade de realizar coisas baseadas em factos antigos e Adiafa é precisamente isso. Até o próprio nome do grupo vai ao encontro das festas, com algo do antigamente e é aí que nos baseamos, é essa a nossa maneira de estar, o nosso cancioneiro.
Como descreve este novo álbum? Qual o pensamento que vos guiou para chegar ao resultado final?
José Emídio: Nós partimos de uma música, que é precisamente o single “Fui criado com coisas roubadas”, que, mais uma vez, foi uma história que eu vivenciei, pois na altura em que era rapazinho e de uma forma brincalhona, a gente na altura fazia isso: brincávamos e íamos às hortas roubar fruta para comer. Isto porque na altura, não levávamos lancheira nem dinheiro para irmos à escola, então saltava-se a cerca e lá íamos às hortas. Isto são tudo factos reais. Portanto, o condutor deste álbum entrou precisamente neste tema, que pode trazer uma leitura entre linhas para os que ouvem.
O álbum vai ser lançado no dia 10 de março, que também fica marcado por ser o dia das eleições. Há alguma ligação ou motivação para que tenha sido dessa forma?
José Emídio: Pode despertar aqui alguma coisa, cada um veste o casaco que quiser. Há aqui uma intenção da nossa parte, que podem considerar como uma crítica, isto porque a cultura é a arma do povo, mas queremos é deixar as pessoas a pensar.
Na hora de produzir este disco e atendendo a estética que procuravam para o mesmo, quais foram os artistas que decidiram convidar para gravar convosco?
José Emídio: Nós temos o privilégio de termos amigos que são grandes músicos, tendo como exemplo João Frade e Manuel de Oliveira, que além de trabalharem como músicos também fazem alguns arranjos nas obras para o resultado final. Estas escolhas dos artistas partem de uma forma muito natural, isto porque também trabalhamos juntos há alguns anos e então quando surge a oportunidade de criar algo novo, fazemos sempre este intercâmbio de ideias, uma mistura de sentimentos. Toda a equipa que trabalha connosco tem uma razão e nós o que gostamos é de trabalhar com pessoas que nos acrescentam algo e, principalmente, que são nossos amigos.
Se pudesse transmitir uma única mensagem ou emoção ao público que ouvir este álbum, qual seria?
José Emídio: A verdade, não se faz música se não houver a verdade, como tudo na vida. Queremos fazer algo sem segundas intenções e que saia do coração, repleta de amor, pois se não tiver, não vale a pena. As nossas músicas têm tido sempre essa verdade e esse amor por aquilo que fazemos e é por essa razão que ela tem perdurado no tempo. Essa é a mensagem que nós queremos passar com a nossa música, mensagem esta que abrange toda a nossa vida, a nossa maneira de estar. Se não houver verdade e amor, as coisas não funcionam.
Quais são as ambições do grupo para este verão?
José Emídio: Ambicionamos que tenhamos muitos espetáculos e que as pessoas que ouçam a nossa música nos dêem o carinho que nós precisamos enquanto grupo, isto porque fazer música apenas para nós artistas não é aqui o foco. Quando fazemos as músicas, é com o intuito de fazer com que o público as ouça, queremos transmitir aquilo que nos vai na alma. O objetivo é esse: trabalhar muito e fazer com que as pessoas ouçam e apreciem o nosso álbum.
Qual foi a experiência além fronteiras que mais o impactou?
José Emídio: Nós já tivemos em tantos sítios, mas talvez terá sido em Macau, por ser um sítio tão longínquo mas que nos diz tanto a nós, pelas parecenças que há. O facto de estarmos de frente para um público com “os olhos rasgados” a ouvirem a nossa música atentamente, deixou-nos surpreendidos. Foi algo estranho mas muito bom, estarmos num outro continente, a tocar músicas que não tem nada a ver com a vida deles, mas fez com que as pessoas ficassem boquiabertas e a aplaudir-nos. Isso, sem dúvida, foi o que mais me fascinou e surpreendeu, não estava mesmo à espera. Logo no início do espetáculo, as pessoas ficaram eufóricas, então foi algo estranho mas que nos agradou imenso.
Se pudesse dar um conselho para artistas emergentes que estão agora a começar a sua carreira, qual seria?
José Emídio: Eu sou muito mau conselheiro (risos)! Como se costuma dizer, se os conselhos fossem bons, vendiam-se e não se davam! Abraçem aquilo que amam, digo isto porque sou músico há mais de quarenta anos, do interior de Beja, em que na minha altura, chegar ao pé dos pais e dizer que queria ser músico, era um grande choque. Em relação a isso, tive muita sorte, fui sempre apoiado. Antigamente, era muito mais complicado, porque havia menos mercado. Agora há mais mercado, e consecutivamente há mais concorrência, e portanto quem está agora a começar, agarre-se às suas muitas ideias e prepare-se para trabalhar muito. O mais importante, sigam os vossos sonhos, nunca desistam daquilo que sempre sonharam!
O single “Fui Criado Com Coisas Roubadas” já está disponível em Youtube. O álbum tem lançamento marcado para dia 10 de Março.